quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Breve mapeamento das últimas gerações (Vitória, 2010/2)




UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS E LETRAS – DOUTORADO EM LETRAS

RESMUNO 4: PAULO MUNIZ DA SILVA (bolsista da Fapes).

SCHOLLHAMMER, Karl Erik. Breve mapeamento das últimas gerações. In: ______.Ficção brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2009, p. 21-51. (Coleção contemporânea).

Ainda existem traços que configurariam uma identidade nacional na literatura brasileira? [...] que papel teria essa questão nas propostas de escritores mais recentes? (SCHOLLHAMMER, 2009, p. 21)

Essa epígrafe norteia a discussão a que Schollhammer procede. Nisso consiste um mapear de temas e opções estilísticas, formais, que se apresentam nos escritos de autores brasileiros das décadas de 1980, 90 e atual. Evitando a canonização e o marketing, o autor abdica das estatísticas de vendas de livro e de prêmios literários, para assumir um olhar sobre continuidades e rupturas produzidas pelos escritores atuais, o que não significa que tenham de ser jovens. Situando-os nos tempos pós-coloniais e globalizados, indaga também sobre o significado do adjetivo “brasileiro”.


A década de 1980 já indicaria a passagem dum ciclo nacional da literatura brasileira para uma literatura de extração citadina, cuja identidade brasileira se aliviaria das constrições mais pragmáticas associadas ao “grande romance nacional”. O foco dos narradores incidiria sobre as novas metrópoles pátrias, iluminando a miséria, o crime e a violência, consequentes da indigência e da informalidade que grassam sobre o tecido social urbano. Aí, seus personagens encenariam a deserção dos grandes projetos, o esvaziamento das personalidades e a crise da identidade nacional, social e sexual.


Assim, a literatura urbana se sintonizaria com o agitado desenvolvimento demográfico do país pelo viés do realismo social. Mas isso já viria da década de 1960 e atravessaria os anos 70, usando o conto curto como estratégia de engajamento estético contra a ditadura militar. Com isso, ignoraram-se também as grandes questões utópicas e universais, as críticas do otimismo futurista e as demandas de modernização.


Nesse contexto, reemergiram as narrativas autobiográficas e as memorialistas, trazendo a reboque a incapacidade de as instituições sociais resolverem os graves problemas que assolam as urbes. Inovam-se as formas do realismo com a prática do hibridismo entre o literário e o não literário, a exemplo dos romances reportagens e romances ensaios, na busca por uma literatura verdade.


Entre tais narrativas, contam-se as pós-modernas em que consiste a retomada dos mitos de fundação (unindo o épico e o best seller) e a reescrita da memória nacional a partir de uma historiografia metaficcioal, expondo livros e seus autores aos lumes da fama. Ganham visibilidade, os veteranos como, Rubem Fonseca, e as estreantes, como Patrícia Melo. No entanto, esses e outros escritores não quebraram a hegemonia das traduções de autores, como Dan Brown, que congestionam a lista dos mais vendidos, ao lado dos livros didáticos.

Experiência e pobreza (Vitória, 2010/2)




UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS E LETRAS – DOUTORADO EM LETRAS

RESMUNO 3: PAULO MUNIZ DA SILVA (bolsista da Fapes)

BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In: ______. Magia e técnica, arte e política: ensaio sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet.7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 114-119. (Obras escolhidas, v. 1).

Quem encontra ainda pessoas que saibam contar histórias [...]? Quem é ajudado hoje por um provérbio oportuno? Quem tentará [...] lidar com a juventude, invocando a experiência? (BENJAMIN, 1994, p. 114).

Com tais questionamentos, Benjamin localiza a pobreza da experiência no fatigado homem moderno, ao qual se sobrepôs o cruel desenvolver da técnica. Os sintomas dessa miséria se veem numa angustiante riqueza de ideias difundida sobre as pessoas, eletrizando-as, mas sem consertá-las. Assim, fenecem os provérbios, caducam-se os conselhos, emudecem-se os narrares e se embota a sabedoria. Mas noutros tempos, a experiência circulava como fartura de aconselhamentos e saberes.

No passado, a experiência como tesouro, benevolente ou ameaçadoramente, se propagava de três formas: concisa, por meio de provérbios da prestigiada velhice; prolixa, com a loquacidade das histórias; e narrativa, em que os mais velhos falavam aos mais jovens. Mas esse passado cindiu-se.

Benjamin detecta tal cisão nos eventos datados entre 1914 e 1918: guerra de trincheiras, inflação, fome e imoralidade política. Esses fatos silenciaram os combatentes e viabilizaram o surgimento de uma nova barbárie em que a pobreza da experiência se assume como honra, e o engendramento da “quebra” incita a humanidade para frente, a recomeçar, a construir com pouco.

Desiludidos com seu tempo e, simultaneamente, fiéis a ele, “antenas da raça”, entre escritores e arquitetos, como Scheerbart e Loss, excluem o orgânico da linguagem e da habitação, instaurando, aí, o construtivo e o arbitrário com o uso de vidro e aço em suas obras literárias e arquitetônicas. Duros, lisos, frios e sóbrios, vidro e aço não absorvem rastros, não comportam auras, nem contêm o mistério. Isso se opõe ao quarto burguês, com seus vestígios que atestam posses e corroboram hábitos.

Nesse contexto, aspira-se não à riqueza, mas à pobreza da experiência. Não pela falta, mas pelo excesso, posto que os homens tudo devorem, saciando-se e extenuando-se. Assim, cansados, sonham uma existência milagrosa, em que se unifiquem natureza, técnica, primitivismo e conforto, como aquela do camundongo Mickey.

Nessa pobreza, consequente da Primeira Grande guerra, Benjamin credita o empenho vil de todas as peças do patrimônio humano, cujo retorno seria de 1/110 do valor investido. E o pior: outra guerra planetária se entrevia, para a qual a humanidade se preparava rindo. Assim, Benjamin viu a descontinuidade linear do aprimoramento do homem e das massas pelo viés do não narrar mais a partir da experiência própria.

A morte do autor (Vitória, 2010/2)


UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS E LETRAS
DOUTORADO EM LETRAS

RESUMO 1: PAULO MUNIZ DA SILVA (Bolsista da Fapes)

BARTHES, Roland. A morte do autor. In: ______. O rumor da língua. Tradução de António Gonçalves. Lisboa: Edições 70, 1987, p. 49-53

[...] a unidade de um texto não está na sua origem, mas no seu destino (BARTHES, 1987, p. 53).

O destino a que a epígrafe se refere é o leitor, cujo nascimento aciona a morte do autor, em que consiste, em Barthes, a tão questionada voz autoral. Não se trata de um destino pessoal, mas de alguém destituído de história, manco de biografia e despido de psicologia. Nesse alguém, reúnem-se, num mesmo campo, todos os traços que constituem o texto. Tais traços se referem às múltiplas escritas que, suscitadas de culturas diversas, se interpenetram e interagem em diálogos, paródias e contestações, como Vernant (apud BARTHES, 1987, o. 53) constatou, alumiando a compreensão parcial que os personagens da tragédia grega demonstraram em relação à duplicidade de sentido de que se investiam as palavras de tal obra.

De cara, em “A morte do autor”, Barthes questiona isto: de quem é a fala que Balzac grafa em Sarrasine? Isso não se sabe, posto que o começo da escrita destrua toda a voz autoral, toda a origem. Mas quem seria esse morto ilustre? Para Barthes, seria uma entidade moderna que, no findar da Idade Média, esculpiu-se no empirismo bretão, polui-se no Racionalismo francês e consagrou-se na Reforma como pessoa humana. Assim, o Positivismo o concebeu para a glória do capitalismo.

No entanto, de Mallarmé ao Surrealismo, com seu automatismo psíquico, a experiência da escrita desgastou a noção de autoria individual. Um texto não se forjaria numa linha de montagem em que se produza o sentido único de uma mensagem de que o autor seria seu arauto. Num texto, engendrar-se-ia um espaço de múltiplas dimensões. Aí se aliariam e se contrariariam escritas variadas, cuja originalidade se lhe escapa ao autor. Tessitura de citações, com múltiplos focos culturais, a escrita se devolve a seu devir, com a chegada do leitor e partida do autor.

O autor como gesto (Vitória, 2010/2)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS E LETRAS: DOUTORADO EM LETRAS

RESUMO 2: PAULO MUNIZ DA SILVA (Bolsista da Fapes)

AGAMBEN, Giorgio. O autor como gesto. In: Profanações. Tradução de Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 55-63.


[...] definir como se exerce a função-autor [...] não equivale a dizer que o autor não existe
[...].Retenhamos, portanto, as lágrimas (FOUCAULT apud AGAMBEN, 2007, p. 57).

Nessa irônica resposta de Foucault a Goldman, Agamben identifica um gesto para mapear a circulação discursiva da função-autor como um processo de subjetivação. Mediante esse processo, um indivíduo se distingue e se institui com autor de certo corpus de textos.

Em face da palestra proferida pelo pensador francês (O que é um autor?), o filósofo italiano localiza no regesto[1] a demarcação das formas sob as quais o sujeito-autor pode apresentar-se na ordem do discurso. Essas formas se resumem na singularidade de sua ausência, posto que estabelecer-se como autor é apropriar-se do lugar de um morto.

Essa singularidade e esse ocupar-se, Agamben os localiza na instantânea e opaca ilegibilidade do sujeito que brota de outro texto foucaultiano: A vida dos homens infames. Ali, no encontro com o poder, reles existências humanas fulgem foscas, marcadas pela torpeza. Estariam esses seres, nesse instante em que cintilam turvos, grafados para se darem a conhecer? Não. E Agamben o justifica, discernindo, no gesto dos escribas que os grafaram, sua subtração a toda possível apresentação, como se a linguagem, mesmo acolhendo-os, não os exprimisse.

Nesse gesto em que se distingue o inexpresso em cada ato de expressão, Agamben localiza a presença do autor, que, como o infame do escrito foucaultiano, se apresenta no texto apenas num aceno. Ali, ao mesmo tempo em que se viabiliza a manifestação, estabelece-se a perspectiva de um vazio fundamental.

Assim, seja entre os seres infames, seja entre os personagens de Dostoievski, Agamben capta o jogo em que se põem as vidas reais nos umbrais do texto. Aí, nesse ponto em que o autor, num gesto, joga uma vida na obra, constitui-se ele, também, nesse gesto.


[1] Compilação de atas e documentos resumidos [...] ou um resumo de certo documento histórico (AGAMBEN, 2007, N.T.)