terça-feira, 16 de novembro de 2010

Experiência e espetáculo na escrita de si contemporânea








UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS E LETRAS – DOUTORADO EM LETRAS

RESMUNO 5: PAULO MUNIZ DA SILVA (bolsista da Fapes)

VIEGAS, Ana Cláudia. Experiência e espetáculo na escrita de si contemporânea. In: CHIARA, Ana; ROCITA, Fátima Cristina Dias (Org.). Literatura brasileira em foco: o eu e suas figurações. Rio de Janeiro: Casa doze, 2008, p. 137-149.

[...] a perda da comunicabilidade dever-se-ia não ao caráter inefável do que se experimenta, mas à fragmentação da subjetividade, na qual se sedimenta a experiência (VIEGAS, 2008, p. 147).

Viegas discute a constituição da subjetividade moderna, que se acompanha de práticas com as quais se arquivam os eus. Fragmentação e justaposição de textos curtos, imagens e sons aproximam os blogs do conceito de autorretrato e da noção espacial de sujeito, que se forma por meio de exterioridades, alusões e apropriações. Assim, ora vítimas de elogios inconsequentes, ora mártires de autoestima equivocada, os blogueiros, exibem-se em lances ao vivo. Nesses lances, a seus eus pouco se lhes apraz guardar o passado; o que querem mesmo é reter o presente, visto que não tenham pósteros, mas contemporâneos.






A ensaísta retoma a comparação entre o que se diz sobre o narrador em dois textos: um de Walter Benjamin; outro de Silviano Santiago. No primeiro, recupera extinção da arte de narrar que decorre da falta do intercâmbio de experiências; no segundo, recobra o narrador repórter, que transmite, pela escrita, um saber oriundo dum olhar sobre a vivência alheia, destituída das palavras orais ou grafadas.






Lendo esses dois autores, Viegas cerca o narrador blogueiro que, distinto dos anteriores, se põe no centro da ação narrada, com relatos curtos, fugazes, a partir de eventos encenados na própria superfície abaulada do banal. Assim, apresenta a precariedade do cotidiano, entremeando experiência e ficcionalidade, posto que, embora escreva pensamentos, eventos e opiniões, como num diário em primeira pessoa, o blogueiro situa sua grafia entre experiência e invenção, retomando “o olhar e a palavra”, numa letra impura, que parece redefinir as relações entre escrita e fala.






Viegas localiza entre os adeptos dessa prática certos escritores, como Cecília Giannetti e Marcelo Mirisola, que usam blogs para experimentação, contato primário com leitores, divulgação de publicações, eventos literários, agenda cultural e para procedimentos de autoficcionalização. No blog, a leitura tem caráter ativo, instável e criador; ela atualiza-se nos comentários que instauram uma cacografia trivial, interativa e helicoidal, reunindo a oralidade e a escrita, adaptadas a novos tempos e espaços.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Breve mapeamento das últimas gerações (Vitória, 2010/2)




UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS E LETRAS – DOUTORADO EM LETRAS

RESMUNO 4: PAULO MUNIZ DA SILVA (bolsista da Fapes).

SCHOLLHAMMER, Karl Erik. Breve mapeamento das últimas gerações. In: ______.Ficção brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2009, p. 21-51. (Coleção contemporânea).

Ainda existem traços que configurariam uma identidade nacional na literatura brasileira? [...] que papel teria essa questão nas propostas de escritores mais recentes? (SCHOLLHAMMER, 2009, p. 21)

Essa epígrafe norteia a discussão a que Schollhammer procede. Nisso consiste um mapear de temas e opções estilísticas, formais, que se apresentam nos escritos de autores brasileiros das décadas de 1980, 90 e atual. Evitando a canonização e o marketing, o autor abdica das estatísticas de vendas de livro e de prêmios literários, para assumir um olhar sobre continuidades e rupturas produzidas pelos escritores atuais, o que não significa que tenham de ser jovens. Situando-os nos tempos pós-coloniais e globalizados, indaga também sobre o significado do adjetivo “brasileiro”.


A década de 1980 já indicaria a passagem dum ciclo nacional da literatura brasileira para uma literatura de extração citadina, cuja identidade brasileira se aliviaria das constrições mais pragmáticas associadas ao “grande romance nacional”. O foco dos narradores incidiria sobre as novas metrópoles pátrias, iluminando a miséria, o crime e a violência, consequentes da indigência e da informalidade que grassam sobre o tecido social urbano. Aí, seus personagens encenariam a deserção dos grandes projetos, o esvaziamento das personalidades e a crise da identidade nacional, social e sexual.


Assim, a literatura urbana se sintonizaria com o agitado desenvolvimento demográfico do país pelo viés do realismo social. Mas isso já viria da década de 1960 e atravessaria os anos 70, usando o conto curto como estratégia de engajamento estético contra a ditadura militar. Com isso, ignoraram-se também as grandes questões utópicas e universais, as críticas do otimismo futurista e as demandas de modernização.


Nesse contexto, reemergiram as narrativas autobiográficas e as memorialistas, trazendo a reboque a incapacidade de as instituições sociais resolverem os graves problemas que assolam as urbes. Inovam-se as formas do realismo com a prática do hibridismo entre o literário e o não literário, a exemplo dos romances reportagens e romances ensaios, na busca por uma literatura verdade.


Entre tais narrativas, contam-se as pós-modernas em que consiste a retomada dos mitos de fundação (unindo o épico e o best seller) e a reescrita da memória nacional a partir de uma historiografia metaficcioal, expondo livros e seus autores aos lumes da fama. Ganham visibilidade, os veteranos como, Rubem Fonseca, e as estreantes, como Patrícia Melo. No entanto, esses e outros escritores não quebraram a hegemonia das traduções de autores, como Dan Brown, que congestionam a lista dos mais vendidos, ao lado dos livros didáticos.

Experiência e pobreza (Vitória, 2010/2)




UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS E LETRAS – DOUTORADO EM LETRAS

RESMUNO 3: PAULO MUNIZ DA SILVA (bolsista da Fapes)

BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In: ______. Magia e técnica, arte e política: ensaio sobre literatura e história da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet.7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 114-119. (Obras escolhidas, v. 1).

Quem encontra ainda pessoas que saibam contar histórias [...]? Quem é ajudado hoje por um provérbio oportuno? Quem tentará [...] lidar com a juventude, invocando a experiência? (BENJAMIN, 1994, p. 114).

Com tais questionamentos, Benjamin localiza a pobreza da experiência no fatigado homem moderno, ao qual se sobrepôs o cruel desenvolver da técnica. Os sintomas dessa miséria se veem numa angustiante riqueza de ideias difundida sobre as pessoas, eletrizando-as, mas sem consertá-las. Assim, fenecem os provérbios, caducam-se os conselhos, emudecem-se os narrares e se embota a sabedoria. Mas noutros tempos, a experiência circulava como fartura de aconselhamentos e saberes.

No passado, a experiência como tesouro, benevolente ou ameaçadoramente, se propagava de três formas: concisa, por meio de provérbios da prestigiada velhice; prolixa, com a loquacidade das histórias; e narrativa, em que os mais velhos falavam aos mais jovens. Mas esse passado cindiu-se.

Benjamin detecta tal cisão nos eventos datados entre 1914 e 1918: guerra de trincheiras, inflação, fome e imoralidade política. Esses fatos silenciaram os combatentes e viabilizaram o surgimento de uma nova barbárie em que a pobreza da experiência se assume como honra, e o engendramento da “quebra” incita a humanidade para frente, a recomeçar, a construir com pouco.

Desiludidos com seu tempo e, simultaneamente, fiéis a ele, “antenas da raça”, entre escritores e arquitetos, como Scheerbart e Loss, excluem o orgânico da linguagem e da habitação, instaurando, aí, o construtivo e o arbitrário com o uso de vidro e aço em suas obras literárias e arquitetônicas. Duros, lisos, frios e sóbrios, vidro e aço não absorvem rastros, não comportam auras, nem contêm o mistério. Isso se opõe ao quarto burguês, com seus vestígios que atestam posses e corroboram hábitos.

Nesse contexto, aspira-se não à riqueza, mas à pobreza da experiência. Não pela falta, mas pelo excesso, posto que os homens tudo devorem, saciando-se e extenuando-se. Assim, cansados, sonham uma existência milagrosa, em que se unifiquem natureza, técnica, primitivismo e conforto, como aquela do camundongo Mickey.

Nessa pobreza, consequente da Primeira Grande guerra, Benjamin credita o empenho vil de todas as peças do patrimônio humano, cujo retorno seria de 1/110 do valor investido. E o pior: outra guerra planetária se entrevia, para a qual a humanidade se preparava rindo. Assim, Benjamin viu a descontinuidade linear do aprimoramento do homem e das massas pelo viés do não narrar mais a partir da experiência própria.

A morte do autor (Vitória, 2010/2)


UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS E LETRAS
DOUTORADO EM LETRAS

RESUMO 1: PAULO MUNIZ DA SILVA (Bolsista da Fapes)

BARTHES, Roland. A morte do autor. In: ______. O rumor da língua. Tradução de António Gonçalves. Lisboa: Edições 70, 1987, p. 49-53

[...] a unidade de um texto não está na sua origem, mas no seu destino (BARTHES, 1987, p. 53).

O destino a que a epígrafe se refere é o leitor, cujo nascimento aciona a morte do autor, em que consiste, em Barthes, a tão questionada voz autoral. Não se trata de um destino pessoal, mas de alguém destituído de história, manco de biografia e despido de psicologia. Nesse alguém, reúnem-se, num mesmo campo, todos os traços que constituem o texto. Tais traços se referem às múltiplas escritas que, suscitadas de culturas diversas, se interpenetram e interagem em diálogos, paródias e contestações, como Vernant (apud BARTHES, 1987, o. 53) constatou, alumiando a compreensão parcial que os personagens da tragédia grega demonstraram em relação à duplicidade de sentido de que se investiam as palavras de tal obra.

De cara, em “A morte do autor”, Barthes questiona isto: de quem é a fala que Balzac grafa em Sarrasine? Isso não se sabe, posto que o começo da escrita destrua toda a voz autoral, toda a origem. Mas quem seria esse morto ilustre? Para Barthes, seria uma entidade moderna que, no findar da Idade Média, esculpiu-se no empirismo bretão, polui-se no Racionalismo francês e consagrou-se na Reforma como pessoa humana. Assim, o Positivismo o concebeu para a glória do capitalismo.

No entanto, de Mallarmé ao Surrealismo, com seu automatismo psíquico, a experiência da escrita desgastou a noção de autoria individual. Um texto não se forjaria numa linha de montagem em que se produza o sentido único de uma mensagem de que o autor seria seu arauto. Num texto, engendrar-se-ia um espaço de múltiplas dimensões. Aí se aliariam e se contrariariam escritas variadas, cuja originalidade se lhe escapa ao autor. Tessitura de citações, com múltiplos focos culturais, a escrita se devolve a seu devir, com a chegada do leitor e partida do autor.

O autor como gesto (Vitória, 2010/2)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE LÍNGUAS E LETRAS: DOUTORADO EM LETRAS

RESUMO 2: PAULO MUNIZ DA SILVA (Bolsista da Fapes)

AGAMBEN, Giorgio. O autor como gesto. In: Profanações. Tradução de Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 55-63.


[...] definir como se exerce a função-autor [...] não equivale a dizer que o autor não existe
[...].Retenhamos, portanto, as lágrimas (FOUCAULT apud AGAMBEN, 2007, p. 57).

Nessa irônica resposta de Foucault a Goldman, Agamben identifica um gesto para mapear a circulação discursiva da função-autor como um processo de subjetivação. Mediante esse processo, um indivíduo se distingue e se institui com autor de certo corpus de textos.

Em face da palestra proferida pelo pensador francês (O que é um autor?), o filósofo italiano localiza no regesto[1] a demarcação das formas sob as quais o sujeito-autor pode apresentar-se na ordem do discurso. Essas formas se resumem na singularidade de sua ausência, posto que estabelecer-se como autor é apropriar-se do lugar de um morto.

Essa singularidade e esse ocupar-se, Agamben os localiza na instantânea e opaca ilegibilidade do sujeito que brota de outro texto foucaultiano: A vida dos homens infames. Ali, no encontro com o poder, reles existências humanas fulgem foscas, marcadas pela torpeza. Estariam esses seres, nesse instante em que cintilam turvos, grafados para se darem a conhecer? Não. E Agamben o justifica, discernindo, no gesto dos escribas que os grafaram, sua subtração a toda possível apresentação, como se a linguagem, mesmo acolhendo-os, não os exprimisse.

Nesse gesto em que se distingue o inexpresso em cada ato de expressão, Agamben localiza a presença do autor, que, como o infame do escrito foucaultiano, se apresenta no texto apenas num aceno. Ali, ao mesmo tempo em que se viabiliza a manifestação, estabelece-se a perspectiva de um vazio fundamental.

Assim, seja entre os seres infames, seja entre os personagens de Dostoievski, Agamben capta o jogo em que se põem as vidas reais nos umbrais do texto. Aí, nesse ponto em que o autor, num gesto, joga uma vida na obra, constitui-se ele, também, nesse gesto.


[1] Compilação de atas e documentos resumidos [...] ou um resumo de certo documento histórico (AGAMBEN, 2007, N.T.)

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Um poema de Colbert Lars Riod'oro




AMOR PLATÔNICO


Pedir-lhe-ei que aqueça minh’alma nessa noite fria,
Aumentando a temperatura do meu ser,
Usando das artimanhas do amor,
Levando-me ao êxtase do tesão, com
Orgasmos múltiplos, reportando-me ao prazer astral.


Meu corpo implora seu calor,
Unindo nossas línguas ao beijar,
Nuanças de estrelas a brilharem,
Induzem ao relance tão real...
Zeus, traga-me esse amor total.


Diga-me onde estás?
Antes de essa noite acabar,


Sussurre uma canção ao meu ouvido,
Invente posição que me excite,
Limpe minhas costas arranhadas,
Vem fazer-me feliz,
Amar, Amar, Amar.



(Colbert L. Riod’oro)

domingo, 11 de abril de 2010

Um poema de Riobaldo Torres Crol




DESPEDIDA 02/04/10

Minhas esperanças acabaram.
Procuro respostas, mas não as encontro.
Motivos? Não os visualizo,
mas o vazio da perda e o coração partido
levam-me ao nó na garganta. O grito incontido
emerge com força e ecoa ao infinito:

Por quê? Por quê? Por que tanta dor?
O peito queima e o coração palpita.
A lágrima rola face abaixo
e as mãos trêmulas
enxugam o rosto, num movimento brusco,
como a recriminá-lo por estar sofrendo...
Sofrendo de amor.

Amor na chegada, com tanta alegria; e
amor na partida, com tanta tristeza.
Por que não somente chegada e nunca partida?
Alegria e tristeza, tristeza e alegria,
Amor na chegada e amor na partida.

Vá, seja feliz com o que chegou.
Minha dor dar-lhe-á forças para o novo amor.
Siga tranqüilo, não olhe para trás!
Deixe-me sozinho,
com minha dor singular!

(Riobaldo Torres Crol)

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Jalousie








"Não fique tão grilado; a vida é uma sucessão de momentos lindos ou horríveis, felizes ou tristes, não importa a sequência, mas, sim, a sua passagem, pois, dessa maneira, consolidamos nossa existência, e montamos o nosso filme particular, que só cabe a cada um de nós avaliar e julgar. Assim como você, também tenho direitos e obrigações e no momento só estou fazendo jus a eles." (COLBERT, 2010).

Ah, os ciúmes, os grilos e essa sucessão de momentos... Esses meteoros em reta de colisão com a impossibilidade de se exercerem direitos e deveres na cor e ação daqueles que se ligam.

Taí, essa impossibilidade da liberdade contra a qual o amor se choca é ébria. O amor tomaria por objeto um ser que pode, por exemplo, estar distante ou deitado ao lado, oculto num corpo. O amor será a sua extensão em todos os pontos do espaço real (virtual ou físico) que esse ser ocupou, ocupa ou ocupará. Se não se possui o contato com ele nas horas e nos os locais (físicos ou virtuais) em que esse ser habitou, não o possuiremos. No entanto, será que se podem tocar todos esses pontos por onde o ser amado passou, passa ou passará?





Não. Mesmo que esses locais nos fossem indicados, não os alcançaríamos. Tateia-se às cegas, sem nada encontrar. Daí, a desconfiança, o ciúme e as perseguições, gerando cachaças e serviços. E nisso, gastam-se tempos preciosos, seguindo pistas absurdas. Tudo debalde. Passa-se sempre ao lado (às vezes, ao largo) da verdade, sem nunca suspeitá-la. Como proteger-se disso? Certamente, não será com a montagem de filmes particulares. Talvez, com o esquecimento... "Mais uma dose? É claro que [você tá] afim."

quarta-feira, 24 de março de 2010

RILDO ao sol: toque em lá, com a terça no baixo.

Cá e lá, ontem e hoje, em quatro estações, um
"Abacateiro, será meu parceiro solitário nesse itinerário [...]".
Rolda-se, aos ventos, o limite arquitetônico (conforto em domus),
Là bas, le champ labouré, ici les maisons, que, sempre,
Ont le parole, que não domina nem consome as rixas,
Sobretudo acerca do lugar incomum do catre fixo em ciclos.



Reitere-se que pi não fecha o anel, nem o rompe; tangencia
O recomeço das eras, na paciência do vento:
Buril das montanhas, cujo tempo tem pó.
Enquanto se segam ósculos e se enrolam línguas,
Racionalizam-se as barras do viver na ponta da fruta silvestre.
Tudo, vai dar pé? Se não, traça-se, pela prosa e pelo verso,
O outono tocando as pontas do equinócio, nessas águas de março.



Rios e rizomas metaforizarão a cópula e a conjunção dos copos
Outorgando nexo complusivo aos fins de manhã, tarde, noite...
Leaft na vida, assim, de roldão,
Delineia-se o fim desse interagir repedidamente, no entanto,
"Ínclita geração, altos enfantes", voltamos ao solstício de verão e...

LORDI, Corsal Er Robot. O pacobá compulsivo. Vitória: Edsimesmo, 2008.


TER A PIA DO BOTECO? Em CLAROS enigmas, TER O ROB do mote, DIR-LO- ia

Pacová. [do tupi-guara.=’folha que se enrola’]. Substantivo feminino. Brás. L. a AM. Bot.: Grande erva rizomatosa da família das zingiberáceas (Renealmia exaltada), do interior da floresta pluvial, com folhas muito amplas, flores vermelhas, e cujos frutos são cápsulas que produzem sementes dotadas de odor aromático semelhante ao do cardamomo ao qual podem substituir. Cana-de-macaco (orangotango). (Aurélio, versão 6.0). Capixabês: pacobá.

Agrada-me o vocábulo, mas isso é nada (paragrama saussuriano?). O mote não é primo, e já não compilo ofensas. Se meu próximo irar-se e advertir-me de que não me ama mais, não o punirei; tampouco o coagirei, a fim de que mo desdiga na cara. Não o enviarei à ponte que se partir nem direi que procure alguém distinto. Também não subirei à tribuna, para ordenar-lhe pragas. Ele é livre para me odiar, no entanto sei que me quer bem. Tal saber não está no obstar o sofrer, mas, sim, no não se desviar dele.

Relações já se desfizeram porque uma pessoa disse à outra que acabou, que não volveria mais. E ninguém cedeu, não insistiu nem inquiriu de novo. E gastaram o tempo assim, para provar aquilo que um e outro desperdiçaram, confirmando o dano irremediável de suas frases. Aterrem-se nossas crueldades, para se velarem as injúrias! Ofertemos a nosso par a igual capacidade que temos de nos absolver. Assim, encobrir-se-ia ampla fração de nossos pepinos (no bom sentido). Nossos rivais descendem de teimas.

Repreendemos com a taciturnidade a quem nos ama; supliciamos com silêncio a quem presumimos que nos quer bem; somos frios com quem depreendemos que nos preza, tudo isso, por uma declaração dita na complexidade irrestrita da convivência. Não vale o que se gozou antes; isso se expedirá como um boleto bancário de um grito, uma obscenidade, uma imprecação. A cobrança será infinda, mesmo que seu sentido tivesse sido provisório, peculiar do desafogo, de um instante desafortunado.

Não há dor estoica e teatral; o páthos declara-se do jeito errado e do modo incorreto. Por que não perdoar? A contenda é um desespero; nela, não se sobressaem agrados e elogios. No entanto, fingimos que é calúnia e desacato. Mais fácil odiar do que trabalhar as próprias limitações e as alheias.

A boicotagem instrui pelo martírio? Quiçá, sim, mas da pior forma, pois honra o castigo e se estima uma vingança. O ideal seria apartar-se um pouco, a fim de se pensar sobre o que produziu a discórdia. O boicote é um suplício mútuo, posto que ambos percam a perspectiva de fundar uma intimidade maior e mais nobre.

A dicção engoda, expede, e o corpo suplica um abraço. Busque-se o gesto: esse elemento extralinguístico que se pendura na palavra. Mire-se nos rios: eles indicam a importância do que é tortuoso. Seguem a natureza astuta da água, mas sempre levam a alguma margem... Nem que seja a terceira.

É no litígio que exibimos nossa criatividade. Repetimos clichês, sumimos, para impor uma lição ou surgimos com alguém, para humilhar ou fingir que nada sentimos. Reiteramos as convenções, salvaguardamos a vaidade e nos inquietamos com a honra mais do que com a “coleta relação”. Chamamos de desleixo a falta de cuidado com o que se disse, reivindicamos sensatez e impomos a rigidez de nossas razões, para expor o quanto somos fidalgos, coesos e constantes.

O aparte deriva de motivos; a reconciliação, não. O bem-querer sempre se apura em dar outros lances (coups de dês). O esmero é cuidar do erro. Não há primor sem emprego da borracha e da reescrita.


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Cronicamente viável...


... A ELITE DA LITERATURA EM TRÊS GÊNIOS.

As críticas exasperadas proferidas por meus colegas universitários, docentes e discentes ligados aos “direitos e esquerdos humanos”, contra A elite da tropa trouxeram-me à leitura desse livro. Lendo-o, vi que as acusações de promoção da violência prolatadas contra essa obra não procedem. Nela, deparei-me com uma expressão da arte literária caracterizada nos termos, que passo a expor.

Relatos fluidos, leves, eufêmicos, e irônicos corroboram estratégias eficazes, adotadas pelo narrador, a fim de abordar temas complexos como: polícia, bandido, política, sociedade, família, vícios, virtudes, hipocrisia, corrupção, violência, coragem, covardia, técnica, crime, castigo, Lei, justiça e honra; tudo isso entretecido com enredos, personagens, tempos e espaços sedutores.

A fina ironia do narrador do livro (que me pareceu, à primeira leitura, o personagem protagonista, capitão Nascimento) e seus bem-humorados diálogos com o narratário (leitor virtual) identificam-se com certas obras do grande gênio, Machado de Assis. Na exposição de um realismo cru, estes três autores, Soares, Batista e Pimentel, nos presenteiam com uma obra literária ímpar, em que se nota, também, a influência indireta da genialidade do célebre Rubem Fonseca e a intertextualidade flagrante com o famigerado (bem-afamado) Nelson Rodrigues.

Resta-me agradecer a esses três artistas das letras e homens de campo, de ação, e à editora Objetiva, pelo presente. Meus amigos intelectuais dos direitos humanos que me indultem, mas li o livro e assistirei ao filme.