quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008




O “RELIGARE”: ONIRISMO E ONANISMO MENTAL: UM DIALOGO COM O TEXTO "UNIVERSAL DO REINO DE DEUS", POSTADO POR LOUÍS EM 18 JAN 2008.

“eu perdi tudo que tinha
carro, casa e uma lavanderia
meu marido arrumou uma amante
meu filho ficou revoltado
minha filha ficou grávida de um traficante
cheguei no fundo do poço” (LUIS, 2008).

Na linguagem, constituímo-nos humanos. Há dois tipos dela: uma, histórica; outra, não-histórica. Aquela, esclerosando-se, perde seu tempo em descompasso com o movimento histórico; esta, fluida, viva e aberta, indica adventos de outras ordens. Desejos e linguagens nos habitam. Se, por um lado, a linguagem ata os desejos, por outro, os desejos libertam os signos, tornando-os vivos e fluidos. Nomear-nos seres de desejo contradiz parte da tradição filosófica ocidental que desqualificou os elementos afetivos e emotivos do existirmos. Mas não se deprecia a importância do contexto, da realidade em que nos colocamos na condição de seres históricos; tampouco se dispensam os sonhos.

Entre parangolés e patrões do mundo, os sonhos surgem e o corpo aponta para pequenas viabilidades. Por meio do corpo, descobrimos a natureza como algo nosso. Não se conhece o mundo sem o corpo. Os limites de cada corpo denotam os limites de cada mundo. Por que se vêem as estrelas, diz-se que o corpo vai até elas.

O que seria o religare diante disso? Um enigma a se decifrar? Os discursos estabelecidos não conseguiram, de forma adequada, a realização disso, mas contribuíram para sua compreensão, no entanto, ficaram aquém, quando pretenderam desvelar o fascinante fenômeno religioso.

A Pesquisa moderna viabilizou, com linguagens e perspectivas científicas, uma torrente de críticas à religião. Parecia que o fenômeno religioso, uma vez decifrado cientificamente, não sobreviveria. O novo saber que paira nestes tempos, e que já havia investigado o mundo da natureza, agora chegou ao homem, para desvelar os segredos milenares de sua constituição interna, em suas práticas sociais. Comte, Freud e Marx, cada um a seu modo, tantaram esclarecer as razões da religião e o seu finar-se. Acreditava-se que a morte da religião se concretizaria em questão de tempo.

A religião não foi bem compreendida por aqueles que se dispuseram a decifrá-la. Para entendê-la, é preciso basear-se no fato de que o homem é um ser de desejo, sonho e linguagem. O religare expressa a meta da alma solitária, constituindo uma confissão silente e inconsciente dos segredos que ali se ocultam, revelando o projeto do homem para a vida (própria e alheia).

Para Marx, o homem é um ser histórico, concreto, contendo as marcas da historicidade e de seu mundo social. As ilusões não são acontecimentos apenas subjetivos, corrigíveis pela filosofia, mas decorrências de fatores externos à própria consciência, que precisam ser suprimidos, para a superação da alienação. Em suma, a superação de certas ilusões só é possível à medida que se superem as situações que se encontram na base dessa alienação. O sofrer religioso, segundo Marx, é, simultaneamente, a expressão do pathos real e do protestar contra esse penar real; é o suspiro da criatura oprimida; o coração de um mundo sem coração, da mesma forma que é o espírito de uma situação sem espírito; "é ópio do povo". Em relação ao conceito de alienação, em Marx, a religião não deve ser simplesmente entendida como reflexo invertido da realidade, mas o ‘suspiro e o protesto’ do oprimido seriam a expressão da resistência à ordem imposta.

Tendo como solo o coração do homem, a religião, emerge a partir das dores do presente. Ela não escapa ao drama da existência humana. É preciso decifrar os sonhos de forma adequada, coisa que Freud pareceu não realizar. Segundo ele, a religião não passaria de um infantilismo, que nos faria reviver certas experiências de meninos. Sigmund Freud interpretou os sonhos individuais, mas não foi apto a compreender a religião enquanto um grande sonho compartilhado. Não empregou os instrumentos que ele mesmo criou para compreender o fenômeno religioso enquanto um sonho coletivo, assim, esse pensador moraviano acabou sucumbindo à racionalidade científica e iluminista tal como o fizera o próprio Marx. O “princípio o do prazer” suplantou-se pelo “princípio da realidade”.




Freud também descobriu que nós, contra aquilo que o iluminismo nos legara, não agimos racionalmente. Impulsionam-nos os desejos inconscientes e eróticos, que moram lá nos grotões da alma. Em vez de partir daí, para elaborar uma teoria positiva do inconsciente, como o intentaram os românticos, Freud teria concluído, com certo estoicismo moral, que o inconsciente deveria reprimir-se? Sei lá.




Indicarei uma ótima referência dessa discussão, em breve. O Cara é fera em filosofia da religião. Aguardem.

11 comentários:

GAZUL disse...

Faltou luz? Cadê o sol do céu da boca? Quem vai fornecer um branco pros dentes, enquanto saliva uma sedenta língua por caminhos cariados?

GAZUL disse...

Cáritas!

arquiteliteraturas disse...

Caritas bonitas (é sem acento mesmo, embora cobrem prosódias proparoxítonas).

Quanto à luz do sol, que uma folha o traga e o traduza ver de coisas quaisquer.

GAZUL disse...

Cáreta's!!!

arquiteliteraturas disse...

CHARITAS

Luis Eustáquio Soares disse...

salve, paulo, o que detém a digressão, religando a pedra que está no fundo do rio, religiosamente, ao fundo-raso das duas bolas do textículos... ou às pedras dos rins, ou ou ou ou, e assim a religião a si religa o dentro ao fora, o individual ao coletivo, o certo ao errado, o sim ao não, nos denunciando como comuns, comunistaz? belo texto, camarada...
meu abraço,
luis de la mancha.

arquiteliteraturas disse...

Grande Louis, cujo amante é paizinho de Ybiraçu... seus textos são por demais provocantes. Grato!

Luis Eustáquio Soares disse...

salve, paulo...te agradeço a referência poemática e continuo um muito pouco tratando, com vc, da questão religiosa... a que, academicamente, fomos adestrados a desprezar, em nome de uma postura de bem pensante, laica, iluminista, blá, blá, blá, sem o saber que não há como fugir da religião, ou de sua questão, tendo em vista o plano disso que chamamos, no ocidente, de laico; não há nada mais religioso que a laicicidade ocidental-cêntrica, com as suas instituições, inclusive a literária, de padres, bisbos, papas civilizatório, olhos da razão, olho de deus.
meu abraço e reclamo o seu sumiço,
luis

arquiteliteraturas disse...

Grande Le Padre. Passarei porr aí em breve (la vie brève, del sombrero de tres ticos).

Minha sumida, explico-a. Participei de um concurso literário, increvendo um conto. Ele não foi selecionado pra publicação, segundo Gaza (que era da comissão de seleção do concurso). Então preciso rever minha escrita. Refletir e achar uma fómaula mais sedutora. Lerei os contos do livro que será publicado e farei minhas criticas também, a fim de aprender mais.

Daí a razão de meu sumiço. Estou me pondo no meu lugar de mau escritor. Superando-o, apareço. Grato pela lembrança.

Lyra disse...

Olá, tropeçei no teu blog e adorei.

Com toda a certeza que voltarei, pois abordas temas extremamente interessantes.

Até breve!

;O)

Sandra Fonseca disse...

"Por que se vêem as estrelas, diz-se que o corpo vai até elas."
A linguagem é a ponte entre o corpo e o desejo.
Boa discussão nos traz neste texto.